domingo, maio 12, 2024
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Sem fôlego

Partido de Lula deve ficar fora da disputa nas maiores cidades do país.

Vive um drama o Partido dos Trabalhadores. Governa o país, mas dá sinais de falta de fôlego para disputar prefeituras nas 200 maiores cidades. É onde moram 80 milhões de adultos, metade do eleitorado nacional. É provável que, em outubro, seis em cada dez eleitores desses municípios sequer tenham a chance de votar no PT.

Essa projeção, feita no mais recente balanço interno, disseminou preocupação no partido — caso incomum de organização política que encolhe nas maiores cidades do país, embora tenha vencido cinco das seis eleições presidenciais deste início de século.

Na última década, o PT perdeu sete de cada dez cidades que governou. Em 2012, elegeu 630 prefeitos, um recorde. Restam 183. Já administrou nove capitais — hoje não tem nenhuma. Reduziu-se à administração de menos de 5% dos 5 570 municípios brasileiros, dois terços dos quais têm menos de 50 000 habitantes.

Sempre foi débil a relação entre a votação do partido e a de Lula.

A mútua dependência transformou o antigo líder metalúrgico em candidato permanente do PT à Presidência nas últimas três décadas e meia — uma peculiaridade política brasileira. O divórcio nas urnas ficou visível, por decisão dos eleitores. E tem sido visível, também, nas eleições parlamentares. Em 2002, Lula chegou ao Palácio do Planalto com uma bancada de 91 deputados federais. Vinte anos depois voltou com apenas 68, equivalentes a 13% do plenário da Câmara.

Lula tem um histórico de controle férreo do PT.

O culto à personalidade e o dogma da “infalibilidade” induziram os petistas a uma crise silenciosa. Novos e antigos dirigentes não dissimulam inquietude e, em reuniões fechadas, extravasam angústia com a apatia interna. Criticam a falta de debate sobre alternativas ao rumo do governo, à política econômica e ao formato atual das alianças com frações do Congresso, como as alas moderadas do Centrão.

É o partido mais organizado, está na terceira geração parlamentar, porém, enfrenta o receio de fragmentação num futuro próximo, com ou sem Lula.

A seis meses da eleição, o cenário petista sugere que ele fez uma opção preferencial pela timidez na eleição do meio do mandato. Aparentemente, montou um plano para este ano condicionado pela necessidade de alianças ou de neutralidade em 2026. É uma data-chave no calendário dele e do PT. Ambos vão precisar decidir já no ano que vem se Lula será candidato à reeleição, se vai se aposentar do ofício de de candidato permanente ou se pretende indicar um substituto na competição pela Presidência.

Ele não deixou o PT disputar a prefeitura de São Paulo, embora o partido já tenha governado três vezes a cidade, onde vivem 27,5% dos eleitores do estado e que detém o terceiro orçamento da República. Em 2022, venceu Jair Bolsonaro na capital paulista, com 53,5% da votação e uma vantagem beirando meio milhão de votos. Agora, preferiu apagar o PT em São Paulo e destacar o PSOL, com Guilherme Boulos, para enfrentar o MDB do prefeito Ricardo Nunes, que se aliou a Jair Bolsonaro.

Vetou, também, candidatos do PT no Rio e em Salvador, entre outros colégios eleitorais relevantes. Em Salvador, armou o jogo sem petista na disputa pela prefeitura, favorecendo um aliado local, o MDB de Geddel Vieira Lima. Ex-deputado, protagonista no impeachment de Dilma Rousseff e ex-ministro no governo Michel Temer, Geddel é um sobrevivente do banco dos réus na política. Flagrado com 51 milhões de reais em malas num apartamento, foi condenado a mais de catorze anos de prisão em 2019. Ganhou liberdade condicional três anos depois e hoje é um dos mais influentes personagens na coalizão chefiada pelo PT que governa a Bahia.

Lula e Bolsonaro deixam explícita a ansiedade por um embate direita x esquerda na campanha deste ano, o que não é comum em eleições municipais. Essa possibilidade existe, mas até agora o quadro sugere que não têm o controle disso. Da maneira como o jogo eleitoral está avançando, haverá disputa direta entre o PT de Lula e o PL de Bolsonaro. Mas tende a ficar restrita a doze das 27 capitais, e sem algumas das mais relevantes como São Paulo, Rio e Salvador, entre outras.

A realidade de Lula já não coincide com a do PT. As apreensões dos petistas lembram a inquietude de Isidoro Vidal, personagem do escritor argentino Adolfo Bioy Casares. Vidal vivia um drama: o cansaço já não servia para dormir e o sono já não servia para descansar.

Coluna do José Casado: Publicado em VEJA de 19 de abril de 2024, edição nº 2889

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